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Oportunidade para recuperação de créditos tributários – LIMITAÇÃO DE 20 SALÁRIOS MÍNIMOS PARA AS CONTRIBUIÇÕES PARA TERCEIROS (SISTEMA S E OUTROS)

Por Hamilton Feitosa

Muitos empresários não sabem com exatidão quais tributos incidem sobre a folha de pagamento, mas certamente tem ciência de quanto esse ônus pesa ao final do mês, quando os conhecidos “encargos” sobre a folha são apurados.

Além da contribuição descontada diretamente do empregado, as empresas em geral estão sujeitas ao recolhimento de Contribuição Previdenciária Patronal (alíquota de 20%) + RAT/SAT (variável de 1 a 3%) + Contribuições para terceiros (Sistema S e outros), com alíquotas somadas que podem chegar a 5,8%.

As contribuições para terceiros, também chamadas de parafiscais, são destinadas a entidades como SESC, SENAI, SENAC, SESI, SENAR, SEBRAE, SEST, SENAT, SESCOOP e ainda ao INCRA e ao FNDE (salário educação). A depender da atividade empresarial, a pessoa jurídica é obrigada a recolher as contribuições para uma ou mais entidades. Uma concessionária de veículos, por exemplo, arca mensalmente com as contribuições ao SESC (1,5%), SENAC (1%), SEBRAE (variável de 0,3% a 0,6%), INCRA (0,2%) e FNDE (2,5%), totalizando 5,8% sobre o total da folha de pagamento.

Portanto, quanto maior a quantidade de empregados, maior o valor das contribuições. Exemplificando: sobre uma folha de pagamento de 200 mil reais, paga-se R$ 11.600,00 apenas de contribuições a terceiros (R$ 200.000,00 x 5,8%).

Entretanto, a legislação limita a base de cálculo dessas contribuições a 20 (vinte) salários mínimos, não podendo incidir sobre a totalidade da folha de pagamento. Essa limitação não é respeitada pelo Fisco. Na visão da Receita Federal, a base de cálculo das contribuições parafiscais é idêntica à das contribuições previdenciárias, o que a autorizaria a exigir o recolhimento nesses moldes.

O entendimento do Fisco vem sendo afastado pelo Poder Judiciário, pois obriga o contribuinte a calcular e recolher as contribuições sobre uma base de cálculo diferente daquela prevista em lei, resultando em pagamento a maior. Ao julgar os casos desse natureza, o TRF da 3ª Região e o Superior Tribunal de Justiça posicionam-se em favor do contribuinte, ou seja, reconhecem que as contribuições parafiscais devem ser calculadas sobre o limite de 20 salários mínimos, conforme determina o art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 6.950/81, e não sobre o total da folha.

Utilizando o mesmo exemplo mencionado anteriormente, caso as contribuições incidam sobre o limite de 20 salários mínimos, teríamos a seguinte diferença:

Valor exigido pela Receita Federal: R$ 200.000,00 x 5,8% = R$ 11.600,00
Valor efetivamente devido: R$ 20.900,00 x 5,8% = R$ 1.212,20
Diferença mensal: R$ 11.600,00 – R$ 1.212,20 = R$ 10.387,80

No exemplo citado, haveria redução de custo de mais de 10mil reais por mês, valores relevantes para qualquer empresa.

Além disso, o reconhecimento do limite de 20 salários mínimos como base de cálculo das contribuições parafiscais confere à empresa o direito de restituir ou compensar o que foi pago a maior nos últimos 05 anos. Ainda com base no exemplo citado, teríamos:

Valor a recuperar nos últimos 60 meses = R$ 10.387,80 x 60 = R$ 623.268,00

O valor a recuperar será atualizado pela taxa SELIC, mesmo índice utilizado pelo Fisco na atualização de débitos tributários, podendo ser compensado com outros débitos que a empresa eventualmente possua.

Importante registrar que a empresa somente poderá obter a redução por meio de ação judicial que a autorize, pois a aplicação automática da limitação autoriza a Receita Federal a lavrar auto de infração, com lançamento de ofício e multa, que poderá ensejar cobrança via execução fiscal após a discussão na via administrativa.

A equipe tributária do Pelegrini e Feitosa Advogados possui larga experiência no ajuizamento de ações dessa natureza e vem assessorando empresas de diversos segmentos na obtenção do direito.


Hamilton Brasil Feitosa Júnior é Advogado Tributarista. Sócio do escritório Pelegrini & Feitosa Advogados. Especialista em Direito e Processo Tributário (EPD). MBA em Contabilidade, Auditoria e Gestão Tributária (IPOG). MBA em Direito: gestão e Business Law (FGV). Membro da Comissão Especial de Assuntos Tributário da OAB Nacional.

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Repercussão Geral – STF define que não incide ICMS sobre energia não consumida em demanda contratada de energia

Em julgamento virtual concluído em 24/04/2020, o Supremo Tribunal Federal decidiu em repercussão geral (RE 593824 – Relator Ricardo Lewandowski) que o ICMS cobrado na fatura de energia elétrica em caso de demanda de potência contatada deverá incidir apenas sobre o efetivo consumo. Segundo a Corte, somente integra a base de cálculo do imposto a energia efetivamente consumida pelo usuário.

No julgamento o STF fixou a seguinte tese: “A demanda de potência elétrica não é passível, por si só, de tributação via ICMS, porquanto somente integram a base de cálculo desse imposto os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo de energia elétrica pelo consumidor.”

A controvérsia gira em torno dos consumidores que utilizam grande quantidade de energia elétrica e possuem as chamadas “demandas contratadas” perante as concessionárias. As demandas contratadas nada mais são do que contratos nos quais a fornecedora se obriga a manter uma reserva de potência aos consumidores (empresas) que precisam de grande quantidade de energia para sua atividade (funcionamento de maquinário em atividades industriais, por exemplo). A concessionária disponibiliza ao usuário determinada quantidade de energia em quilowatts, que poderá ou não ser utilizada totalmente.

O consumidor que possui contrato nesses moldes garante para si uma potência de energia contínua, expressa em quilowatts (kW), que deverá ser integralmente paga à concessionária, ainda que não seja totalmente consumida. É comum, portanto, que uma empresa possua demanda contratada mas não utilize toda a energia a ela disponibilizada e pela qual paga integralmente.

Sobre tal modalidade de contrato, alguns Estados vem cobrando ICMS dos consumidores sobre o valor disponibilizado a título de demanda contratada e não sobre o valor efetivamente utilizado. Foi exatamente essa a questão apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela inconstitucionalidade da cobrança sobre a parcela de energia disponibilizada, mas não efetivamente consumida.

O Superior Tribunal de Justiça já havia apreciado o tema e decidido favoravelmente aos contribuintes, editando a Súmula 391: “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada”. Já no Recurso Especial 1.299.303/SC, o STJ decidiu que as empresas que pagaram ICMS indevidamente sobre a energia não utilizada, ou seja, o usuário do serviço de energia, possuem legitimidade para pedir a restituição do imposto estadual.

Assim, as empresas que possuem demanda contratada deverão analisar suas faturas mensalmente, podendo buscar perante o Poder Judiciário o direito de recolher o ICMS apenas sobre o efetivo consumo. Além disso, é recomendável que sejam analisadas as faturas dos últimos 60 (meses) para verificar a possibilidade de restituição dos valores pagos a maior, com as devidas atualizações.

Hamilton Feitosa

Advogado tributarista – Pelegrini e Feitosa Advogados

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Apontamentos sobre o IPTU no município de Boa Vista (Parte II)

No artigo anterior tratamos sobre responsabilidade tributária, aspectos materiais e temporais da regra matriz de incidência e fato gerador, além de algumas disposições específicas sobre lançamento do imposto no Código Tributário do Município de Boa Vista (Lei Complementar Municipal nº 1.223/09).

Nessa segunda parte, trataremos do aspecto espacial, do quantitativo e ainda das isenções previstas na legislação municipal.

Como já visto, o fato gerador do IPTU é a propriedade predial e territorial de imóvel localizado na zona urbana ou urbanizável do respectivo município. Na dicção do art. 32 do CTN e do art. 115 da Lei Complementar Municipal nº 1.223/09, estando o bem situado na área urbana ou urbanizável definida pelo plano diretor do Município, estará seu titular sujeito ao pagamento do tributo. É o chamado critério topográfico ou da localização, utilizado pelo legislador com objetivo de diferenciar o imóvel urbano do imóvel rural para fins de incidência do IPTU ou do Imposto Territorial Rural – ITR, este último de competência da União (art. 153, VI, da Constituição Federal e art. 29 do CTN).

De acordo com as mencionadas leis, a regra é simples: situado o imóvel em área urbana ou urbanizável definida do plano diretor municipal, incide o IPTU. Se estiver fora dessa área, incide o ITR. Importante lembrar que para ser considerada urbana, é imprescindível a existência de pelo menos dois melhoramentos previstos no art. 32, § 1º, do CTN.

Em que pese a redação dos dispositivos legais, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que o critério da destinação do imóvel se sobrepõe ao critério da localização, fixando a tese de que “não incide o IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (Tema 174 – STJ)”. O precedente foi julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73, então vigente, e vem sendo aplicado com frequência em casos análogos.

No entendimento da Corte, o Decreto-Lei nº 57/66, que trata de lançamento e cobrança do ITR, também foi recepcionado pela Constituição de 1988 com status lei complementar, equiparando-se ao CTN. Por conseguinte, aplica-se plenamente o art. 15 da lei em comento, segundo o qual “o disposto no art. 32 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária, ou agroindustrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.”(1)

A orientação jurisprudencial, quando aplicada na prática, resulta em benefício tributário para o contribuinte, uma vez que as alíquotas do ITR são sensivelmente inferiores às do IPTU. Consequentemente, caso o proprietário de imóvel situado na área urbana do Município comprove que o bem é destinado à atividade extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, deverá provocar o órgão de arrecadação da Prefeitura para que se manifeste a respeito da não incidência do tributo municipal, comunicando não ser contribuinte.

Ocorre que na maioria das vezes os Municípios não adotam o posicionamento do STJ, ao argumento de que a lei municipal e o próprio Código Tributário Nacional estabelecem o critério da localização do imóvel para definir o fato gerador do IPTU. A alternativa então é recorrer ao Poder Judiciário para buscar a declaração de inexistência de relação jurídica tributária e evitar futuras incidências ou obter a anulação do crédito tributário, neste último caso, se o lançamento já estiver finalizado.

É importante que o contribuinte tenha conhecimento desse cenário e analise a natureza do seu imóvel, assim como a atividade desenvolvida, para então buscar a tributação pelo ITR. A atividade rural, extrativa, agrícola, pecuária ou agroindustrial deve ser comprovada e o imóvel precisa ser efetivamente empregado nessa finalidade, mostrando-se indissociável dela.

Assim, um sítio localizado na zona urbana onde o proprietário passa os finais de semana e mantém uma criação de animais em pequena escala dificilmente poderá ser enquadrado como contribuinte de ITR pelo critério da finalidade. Já um imóvel situado na zona urbana onde se cultiva alface em hidroponia, em larga escala, para abastecer supermercados e restaurantes, certamente estará amparado pela regra especial do Decreto-Lei nº 57/66.

Para ver reconhecida a não incidência perante o Poder Judiciário, é imperioso que o sujeito passivo esteja munido de documentos que caracterizem a atividade como autorizações, licenças, alvarás, contrato social (pessoa jurídica), contratos com fornecedores e compradores, cadastros rurais, fotografias, dentre outros.

A respeito do elemento quantitativo, a base de cálculo do imposto será o valor venal do imóvel, nos termos do art. art. 120 do Código Tributário Municipal e art. 33 do CTN. Muitas discussões foram travadas em torno do conceito de “valor venal”, dado o subjetivismo que pode surgir quando averiguado o referencial econômico, histórico, sentimental ou especulativo do titular bem. Basicamente, o valor venal pode ser considerado aquele aplicado em caso de venda à vista do imóvel no mercado, porém, essa definição não soluciona por completo as controvérsias em torno da base de incidência do imposto.

Diante desse cenário, os municípios optam pela utilização de Mapas ou Plantas Genéricas de Valores, na tentativa de aplicar um critério de avaliação abrangente e impessoal, baseado em métodos oficiais de avaliação e variação de preços, com emprego de técnicas objetivas de aferição. Sobre essa forma de avaliação, sustenta o mestre Aires F. Barreto(2):

“Os Mapas Genéricos de Valores podem ser definidos como complexo de plantas, tabelas, lista, fatores e índices determinantes dos valores médios unitários de metro quadrado (ou linear) de terreno e de construção, originários ou corrigidos, acompanhados de regras e métodos, genéricos ou específicos, para a apuração do valor venal de imóveis” (Comentários ao Código Tributário Nacional, 2008, p. 281).

O art. 122 do Código Tributário Municipal estabelece a Planta Genérica de Valores como instrumento de apuração da base de cálculo do IPTU no município de Boa Vista. A Planta em vigor foi introduzida pela Lei Complementar Municipal nº 006/12, que disciplina os valores unitários do metro quadrado (m²) e do hectare (ha) e traz os parâmetros de valor venal para o IPTU e o ITBI.

Os valores venais estão estipulados de acordo com a localização do imóvel descrita no Anexo, que divide as áreas do município em 10 (dez) setores composto por zonas e bairros da cidade, considerando ainda os trechos de ruas e avenidas com maior valorização. O valor do metro quadrado é fixado em UFM (Unidade Fiscal Municipal). Assim, um imóvel localizado na Av. Jaime Brasil (trecho: Praça do Centro – Margens do Rio Branco) tem o metro quadrado avaliado em 195,36 UFM. Para saber exatamente o montante que corresponderá ao valor venal, basta multiplicar a quantidade de metros quadrados pela UFM, que no ano de 2018 corresponde a R$ 2,88 (dois reais e oitenta e oito centavos).(3)

Impende destacar que o art. 107 do Código Tributário Municipal institui a UFM como medida de valor oficial para cálculo de tributos, créditos tributários e penalidades. A cada ano a Prefeitura deverá divulgar por meio de decreto o valor da UFM, que será corrigido com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA.

Qualquer alteração nesses critérios que resulte na majoração de tributos acima do índice oficial de atualização monetária somente poderá ocorrer através de lei em sentido formal, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade estrita. Logo, eventuais modificações dos valores de metro quadrado descritos na Planta Genérica ou a fixação de UFM acima do índice contido no mencionado art. 107 não podem ser impostas por decreto (Súmula 160 STJ).(4)

Os arts. 108 e 109 do Código Tributário Municipal dispõem sobre o procedimento de atualização dos valores venais dos imóveis, todavia, alguns dispositivos apresentam fortes indícios de inconstitucionalidade, que serão objeto de análise em artigo exclusivamente dedicado ao tema.

As alíquotas do IPTU variam de 0,5% até 2,5%, de acordo com a finalidade do imóvel (industrial ou residencial) e sua classificação como edificado ou não edificado (art. 121 da LCM 1.223/09). Considera-se não edificado o imóvel cuja área construída seja 10% da área total do lote quando se destinar a residência ou comércio. Já para os terrenos destinados a atividades industriais essa exigência é de 5% (art. 121, § 2º).

As isenções estão previstas no art. 130 do Código Tributário Municipal e são concedidas nas seguinte hipóteses: a) propriedade de imóveis tombados pelo Município; b) imóvel de propriedade de aposentado, pensionista ou beneficiário de regime de previdência ou assistência social cuja renda familiar mensal não ultrapasse 1.220 UFM (R$ 3.513,60 em 2018) e que não possua outro imóvel no município; c) seja proprietário, titular de domínio útil ou possuidor a qualquer título de único imóvel, utilizado exclusivamente como sua residência, com área construída de até 60m2, em terreno com o máximo de 500m2 com área total e; d) seja entidade declarada de utilidade pública por lei municipal.

Os dois artigos buscaram trazer ao leitor noções gerais sobre a legislação municipal do IPTU, bem como alguns posicionamentos atuais da jurisprudência, com a finalidade de esclarecer as especificidades de um dos principais impostos sobre o patrimônio previstos em nossa sistema tributário. Certamente, não se pretende esgotar o tema, tendo em vista a existência de pontos de incongruência e incompatibilidade das normas locais quando confrontadas com o CTN e alguns princípios constitucionais tributários.

*Advogado Tributarista. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB Roraima. Sócio do Escritório Pelegrini & Feitosa Advogados.

(1) Art 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.
(2) Comentários ao Código Tributário Nacional, volume 1 (arts. 1º a 95) / coordenador Ives Gandra da Silva Martins. – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008.
(3) Decreto Municipal nº 195E/2017, publicado no DOM Boa Vista em 27 de dezembro de 2017.
(4) Súmula nº 160/STJ: É defeso ao município atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.

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Apontamentos sobre o IPTU no município de Boa Vista (Parte I)

A referência à “propriedade” não significa que apenas o titular deste direito real figurará como sujeito passivo do imposto, mas também aquele titular do domínio útil e ainda o possuidor de imóvel urbano (arts. 32 e 34 do CTN).

No tocante à sujeição passiva, importante observar a situação do locador. É comum em contratos de locação a existência de cláusula na qual se define o inquilino como responsável pelo pagamento do IPTU, todavia, a relação jurídica entre o inquilino e o bem é de mera detenção, não havendo o necessário animus domini que caracterize a posse na forma da lei civil. Trata-se de vínculo de natureza pessoal, decorrente de um negócio jurídico, e não real, decorrente da relação do indivíduo com o bem.

Por tais motivos, o inquilino não se enquadra nas situações de sujeição passiva descritas no art. 34 do CTN, sendo inclusive inválida perante o fisco a cláusula contratual que lhe atribui a responsabilidade pelo pagamento do imposto, não podendo o locador (proprietário) invocá-la para eximir-se da cobrança.

Disposições nesse sentido não possuem eficácia para descaracterizar a definição legal do sujeito passivo, tratando-se de mera convenção entre as partes, que não é oponível ao ente tributante por força do art. 123 do CTN. Assim, aquele que aluga um imóvel para terceiro e, no contrato, estipula que este terceiro (locatário) deverá arcar com o IPTU, corre o risco de ver desconsiderada a cláusula contratual e responder pela obrigação tributária em eventual cobrança administrativa ou judicial.

É necessário que o proprietário, ao locar o imóvel, tenha ciência de que o inadimplemento do IPTU não será cobrado do inquilino (detentor), mas sim do proprietário cadastrado, que também será legitimado a figurar no polo passivo de eventual execução fiscal. Restará ao proprietário apenas o direito de regresso para reaver o que pagou. O mesmo raciocínio se aplica ao comodatário.

No município de Boa Vista, a Lei Complementar Municipal nº 1.223/09 (Código Tributário Municipal) institui e regulamenta o IPTU, trazendo algumas disposições similares às do CTN e outras específicas da competência dos municípios.

O art. 115 traz a regra matriz de incidência do imposto, reproduzindo basicamente a redação do CTN, segundo a qual, “o IPTU tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse, a qualquer título, de bem imóvel, por natureza ou acessão física, como definido na lei civil, situado na zona urbana e urbanizável do município”.

Já o art. 116 define como zona urbana, para efeitos de IPTU, aquela definida na Lei nº 926/06, que institui o Plano Diretor do Município de Boa Vista, porém, com a ressalva da existência de pelo menos dois melhoramentos construídos ou mantidos pelo Poder Público, também na mesma linha da lei federal. Os melhoramentos estão assim definidos na legislação: a) meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; b) abastecimento de água; c) sistema de esgotos sanitários; d) rede de iluminação pública, com ou sem posteamento, para distribuição domiciliar; e) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

Desse modo, além de fazer parte da zona urbana definida no plano diretor do município, o local onde se situa o imóvel deverá contar com, no mínimo, dois destes melhoramentos para que esteja materializado o fato gerador do IPTU, isto é, para que se enquadre na definição legal de “imóvel urbano”.

Relevante frisar que também é considerada “zona urbana” as áreas urbanizáveis ou de expansão urbana referentes a loteamentos aprovados pelos órgãos competentes e destinadas à habitação, indústria ou comércio, mesmo localizadas fora da zona urbana definida em lei (art. 116, parágrafo único, da LC 1223/09). Nesse caso, não se exige nenhum dos melhoramentos descritos na lei.

Com relação ao elemento temporal, considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no primeiro dia de janeiro de cada exercício financeiro (art. 115, § 1º, da LC 1.223/09). Por conseguinte, aquele que for proprietário, possuidor ou titular do domínio útil de bem móvel no dia 1º de janeiro do exercício financeiro, estará praticando o fato gerador do IPTU, considerados, obviamente, os demais elementos da relação jurídica tributária.

Ponto que merece especial atenção diz respeito ao lançamento do imposto, que poderá ocorrer nas modalidades de lançamento direto ou de ofício (art. 75, I, a, da LC 1.223/09). O art. 86 da Lei Municipal estabelece as formas de lançamento do sujeito passivo, considerando-o regularmente notificado se houver recebido um dos seguintes documentos: carnê de pagamento, documento de arrecadação municipal (DAM), notificação/recibo, comunicado ou aviso.

Em geral o lançamento do imposto é realizado com o envio do carnê de pagamento ao endereço do sujeito passivo, via correio. Para tanto, a Prefeitura mantém um cadastro de imóveis situados em seu espaço geográfico, sendo este cadastro a base de dados utilizada para notificar os contribuintes de que devem recolher o IPTU.

Como se sabe, a notificação ao sujeito passivo é condição para que o lançamento tenha eficácia, tornando exigível o crédito nele representado. Segundo destaca o professor Leandro Paulsen1, “trata-se de providência que aperfeiçoa o lançamento, demarcando, pois, a constituição do crédito que, assim, passa a ser exigível do contribuinte – que é instado a pagar e, se não o fizer nem apresentar impugnação, poderá sujeitar-se à execução compulsória através de Execução Fiscal – e oponível a ele – que não mais terá direito a certidão negativa de débitos em sentido estrito.

Existe em favor do Fisco Municipal a presunção de que a notificação enviada ao endereço constante no cadastro imobiliário aperfeiçoa o lançamento. Assim, presume-se entregue ao contribuinte a notificação enviada ao endereço do imóvel cadastrado em seu nome. Essa presunção não é absoluta, contudo, caberá ao sujeito passivo o ônus de provar que não recebeu o documento de cobrança. O Código Tributário Municipal dispõe sobre a referida presunção e a forma de infirmá-la nos §§ 2º e 3º do art. 86.

A notificação poderá ocorrer ainda através de edital publicado na forma do § 4º do art. 86 do Código Tributário Municipal, com a ressalva de que essa forma de comunicação somente será utilizada caso haja impossibilidade de notificar o sujeito passivo por correio ou pessoalmente e ainda na hipótese de recusa no recebimento da notificação.

Ainda no tocante à notificação, importante observar que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado no sentido de que “os tributos sujeitos a lançamento de ofício, tais como IPTU e IPVA, a remessa pelo Fisco da notificação de pagamento ou carnê, constitui o crédito tributário” (REsp 1664563/SP, DJE 09/10/2017).

Na mesma linha tem-se a Súmula 397 – STJ, segundo a qual “o contribuinte de IPTU é notificado do lançamento pelo envio do carnê ao seu endereço.”

Portanto, para o STJ não se faz necessária a instauração de processo administrativo pelo ente municipal para constituir definitivamente o crédito tributário, uma vez que o lançamento e envio da cobrança já seriam suficientes para sua regularidade.

A análise pormenorizada do lançamento, sua notificação e constituição do crédito tributário do IPTU é de suma importância para fixar o início do prazo prescricional do tributo. Pode-se concluir, diante da legislação vigente no município de Boa Vista, do Código Tributário Nacional e do atual posicionamento do STJ, que o termo inicial pra contagem do prazo prescricional previsto no art. 174 do CTN é a data de entrega do carnê de pagamento, documento de arrecadação municipal (DAM), notificação/recibo, comunicado ou aviso de cobrança no endereço do contribuinte, presumindo-se a notificação.

Entretanto, quando pagamento do imposto se der de forma parcelada nos casos em que próprio município assim faculta, discute-se se o prazo prescricional ficaria suspenso enquanto as parcelas não forem quitadas. A questão está afeta à natureza jurídica desse parcelamento. Em razão da relevância da matéria, o Superior Tribunal de Justiça decidiu afetá-la à sistemática dos recursos repetitivos (REsp 1658217/PA e REsp 1641011/PA – Tema 980), ainda pendentes de julgamento.

O enfrentamento do tema é de suma importância e refletirá em todos os municípios brasileiros, considerando que o parcelamento é prática adotada por quase todas as administrações municipais.

*Advogado Tributarista. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB Roraima. Sócio do Escritório Pelegrini & Feitosa Advogados.

1 Paulsen, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 8ª Ed.

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